Quatro décadas e 1300 transplantes renais

Quatro décadas e 1300 transplantes renais

Serviço de transplantes do Hospital de Base comemora 40 anos com a marca de 1300 transplantes de rins

Sandra Turcato e Alexandra Carolina

Davidyson Damasceno/IgesDF

Cada transplante realizado é uma nova esperança – tanto para o paciente e sua família, quanto para a equipe médica. Mas o transplante de rim de número 1.300 realizado pelo Hospital de Base, após 40 anos desde a realização do primeiro procedimento, foi marcado por uma dose extra de emoção, em que uma mãe pôde doar seu rim ao filho. “Foi uma sensação de renascimento, de eu poder ter dado a vida ao meu filho pela segunda vez”, conta Luzia Veríssimo dos Santos, 46 anos, doadora. A cirurgia foi realizada no dia 25 de outubro. “É uma sensação de alegria, de amor incondicional. Saber que a vida dele vai continuar graças a um pedaço de mim que está dentro dele”, comemora a mãe.  

Luzia conta que ficou muito abalada quando soube que o único filho estava doente. Quando foi levantada a possibilidade de poder ajudar a salvá-lo, ela começou a lutar. “Foi uma benção realizar os exames e saber que éramos totalmente compatíveis para o transplante”, lembra. Mas não era tão simples, ela estava muito acima do peso para a cirurgia. “Eu estava com sobrepeso e alterações clínicas. Segui a dieta à risca, comecei a fazer atividade física e emagreci 17 quilos”, detalha.   

A expectativa pelo transplante começou há muito tempo. O balconista Luiz Carlos Veríssimo Pereira, de apenas 23 anos, começou a sentir o corpo inchado, pressão alta e enjoos, ainda em 2019. Fez alguns exames, foi encaminhado ao nefrologista e chegou a ficar 15 dias internado. Após o estado de saúde de Luiz se agravar descobriu que precisaria de um transplante.  “Só tenho a agradecer pelo atendimento no Hospital de Base. Todos foram muito solícitos e atenciosos comigo”, conta. Pouco tempo depois do procedimento, os desconfortos já haviam diminuído. “Minha disposição já é outra”, comemora. 

Receber o rim da própria mãe foi um presente. “É muito raro ter uma compatibilidade tão grande. Foi ganhar na loteria saber que minha mãe poderia ser minha doadora, foi ganhar a vida de novo”, afirma o filho, emocionado. “O sentimento hoje é de muito amor. Deus nos abençoou por ela poder ser a minha doadora. Agradeço a ela e a toda a equipe do Hospital de Base, que me acolheu e me ajudou muito”, conta.   

Se o filho sente-se presenteado, Luzia comemora em dobro, “A vida dele poderá voltar ao normal sem a hemodiálise, retomar a rotina de trabalho e até a possibilidade de me dar netos”, comemora a mãe coruja. Ela ainda elogia todo o tratamento promovido pelo SUS, “Tivemos um ótimo atendimento desde o começo do processo no Hospital de Base. Desde a limpeza, as enfermeiras, os médicos, todos são excelentes! Nos sentimos muito seguros aqui”, afirma dona Luzia.  

História 

O transplante renal sempre foi motivo de orgulho para as equipes de Urologia, Nefrologia e para todo o Hospital de Bases ao longo desses 40 anos. “Fomos o segundo hospital do DF a realizar este procedimento e somos até hoje o centro com maior número de transplantes realizados no Centro-Oeste”, orgulha-se o médico Flávio Henrique Frederico Guimarães, chefe do Serviço de Urologia do HB, que participou do transplante entre mãe e filho. Grande parte da atual equipe de transplante é formada por alunos dos pioneiros do transplante renal de Brasília. “Temos muito orgulho disso e sabemos da importância deste legado”, afirma o médico.  

O transplante de número 1.300, coincidindo com a comemoração dos 40 anos do primeiro transplante renal realizado pelo Hospital de Base, traz ainda mais orgulho para a equipe. “O sentimento é redobrado, por enaltecer o nosso hospital e ajudar na recuperação da saúde e liberdade desse paciente, que ficará livre da hemodiálise, voltando a ter uma vida com menos restrições”, destaca Flávio Guimarães.  

O transplante foi entre doadores vivos relacionados, da mãe para o filho. Esse tipo de procedimento, segundo o médico, envolve uma responsabilidade dobrada, pois é realizada uma grande cirurgia em uma pessoa saudável, que está doando um órgão para um parente por motivos afetivos e de forma altruísta. “Tentamos minimizar os riscos e morbidades pós-operatórios dessa pessoa sabendo o sacrifício pessoal que está realizado. Para isso, adotamos desde 2014 no nosso serviço a retirada do rim do doador por via videolaparoscópica”, detalha o médico. A equipe pioneira é formada por ele, doutor Flávio Guimarães, e pelos médicos João Ricardo Alves e Dídimo Carvalho Teles. A técnica, segundo o médico, reduz a dor e as cicatrizes do doador e propicia um retorno mais rápido às atividades cotidianas e de trabalho. 

No receptor, é realizado o implante do rim na pelve – pela localização dos vasos sanguíneos mais favoráveis e proximidade com a bexiga, utilizando as técnicas mais modernas de cirurgia vascular e urológica. “Apesar de ser uma grande cirurgia, com todos os seus riscos inerentes, o rim em receptores de doador vivo em geral tem um funcionamento mais rápido devido ao tempo menor de isquemia (tempo que fica resfriado fora do corpo do doador) e à proximidade imunológica entre doador e receptor”, explica o urologista.  

A equipe envolvida neste transplante e nos doadores vivos, em geral, é composta pelos médicos Flávio Guimarães, João Ricardo Alves, Germano Adelino Gallo, João Emerson Alencar, Guilherme Coaracy, Renato Moreira Souto e Aderivaldo Cabral Dias Filho. A equipe de Nefrologia, representada pelas doutoras Viviane Brandão Bandeira de Mello Santana e Ruth Bittar Souto, cuida do preparo clínico dos pacientes no pré-operatório e do seguimento no pós-operatório, da recuperação da função renal e administração de medicamentos imunossupressores, que ajudam a evitar a rejeição do órgão. 

 

Davidyson Damasceno/IgesDF
Davidyson Damasceno/IgesDF

Médico do Hospital de Base há 21 anos, o doutor Aderivaldo Cabral também faz parte da história dos transplantes. “Estamos na terceira geração de médicos urologistas e nefrologistas habilitados em transplantes”, orgulha-se. “O transplante é uma cirurgia de grande porte, o hospital precisa estar totalmente preparado. O Hospital de Base é o principal centro transplantador do DF”, destaca o médico, que é supervisor da Residência Médica em Urologia.   

O médico Germano Adelino Gallo, urologista e um dos responsáveis pelo Serviço de Transplante do Hospital de Base, também se orgulha pela trajetória e reconhecimento que o hospital conquistou. “Nosso serviço é bem estruturado, antigo em nossa cidade, temos uma equipe maravilhosa. O sentimento é de alegria em poder ajudar tantas pessoas ao longo deste período”, afirma.  

“O transplante intervivos provoca um grande envolvimento e alegria na equipe médica. Após o procedimento, encontrar os pacientes e acompanhar a melhora e os laços afetivos entre os familiares é muito gratificante para todos nós”, reconhece o médico.  

Além deles, uma grande equipe de médicos do corpo clínico, médicos residentes e enfermeiros das unidades de Urologia e Nefrologia está diretamente envolvida no preparo e seguimento dos pacientes transplantados. 

Foi a doutora Viviane Brandão quem escreveu no livro de transplantes renais do Hospital de Base o procedimento de número 1.300. Ela explica que, no caso do transplante de Luiz, a compatibilidade entre mãe e filho era muito alta, o que aumenta a chance de aceitação e diminui o risco de rejeição do órgão. Para que o paciente tenha alta, a médica destaca a necessidade de realização de todos os exames e do treinamento do paciente. “Este treinamento é dado por nossas farmacêuticas, pois, se os remédios não forem tomados de forma adequada quando eles estiverem em casa, pode haver rejeição do órgão”, detalha a nefrologista.  

Davidyson Damasceno/IgesDF

A farmacêutica clínica Evelin Soares foi quem deu o treinamento a Luiz. “No pós-transplante, o paciente muda completamente a rotina de medicamentos. A continuidade da medicação é fundamental para evitar a rejeição do órgão transplantado”, reforça a profissional. “Durante a internação, o paciente passa pelo treinamento para voltar para casa sabendo tomar todos os remédios necessários. Ele adquire familiaridade e, ao mesmo tempo, nós, profissionais, buscamos trabalhar suas limitações para que o paciente consiga superá-las”, explica a enfermeira.  

Pacientes hipersensibilizados e com falência de acesso vascular para hemodiálise são os principais desafios médicos nessa área, de acordo com a médica Viviane Brandão. “Porém, além das ciências médicas, aprender a cuidar do paciente de uma forma abrangente, entender suas dores e alegrias, sua história de vida, seu contexto social e familiar é um dos nossos maiores desafios”, reconhece. “Nós filmamos este registro do transplante 1.300. Minha alegria é este trabalho, participar do transplante, ver a recuperação das pessoas voltando a ter uma vida normal. É como um renascimento mesmo”, emociona-se. 

Mariela Souza de Jesus, presidente do IGESDF, conta que também se emociona a cada relato de cura ou procedimentos bem sucedidos, “sabemos o quanto a hemodiálise é fundamental para quem necessita dela, e sabemos também o quanto afeta a rotina da pessoa, por isso uma cirurgia de transplante renal é motivo de celebração da vida, e nos enche de felicidade enquanto gestores” comemora. A presidente do Instituto explica que vem trabalhando para ampliar o serviço de hemodiálise com a aquisição de mais máquinas por meio de emenda parlamentar. 

Confira o vídeo e a galeria:

Alessandro Praciano/IgesDF

Davidyson Damasceno/IgesDF

Renata Nandes

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