O Distrito Federal começou 2025 com diversos casos de feminicídios registrados. Nos primeiros dias do ano foram noticiados algumas ocorrências por motivos relacionados ao gênero. Tais fatos reforçam a discussão sobre a necessidade de estruturação de redes de apoio e prevenção à violência contra a mulher.
No Distrito Federal existe a rede de Centros de Especialidades para a Atenção às Pessoas em Situação de Violência Sexual, Familiar e Doméstica (CEPAVs). Também conhecidos como “Flores em Rede”, os centros possuem unidades distribuídas em todas as Regiões de Saúde do DF.
No Hospital Regional de Santa Maria (HRSM) funciona o CEPAV Flor do Cerrado. A unidade oferta acompanhamento psicossocial, de segunda a sexta, das 07h às 12h e de 13h às 18h, às crianças, adolescentes e mulheres. O serviço pode ser acessado por encaminhamento dos órgãos parceiros ou por demanda espontânea. “Qualquer pessoa em situação de violência pode procurar a nossa unidade caso necessite de orientação sobre violência vivenciada”, explica o chefe do núcleo, Ronaldo Pereira de Lima Coutinho.
Os atendimentos são realizados em uma perspectiva biopsicossocial por uma equipe multidisciplinar composta por psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros e técnicos de enfermagem. “São ofertados atendimentos individuais e em grupos, conforme avaliação de cada caso, para ajudar a pessoa a se perceber em uma situação de violência, reconhecer os desafios, fortalecer sua autonomia, sua rede de apoio e seus suportes familiar, psicológico e social com o intuito de romper o ciclo de violência”, conta Ronaldo.
Ainda de acordo com Ronaldo, a violência contra a mulher é um problema complexo e multifacetado que pode ser físico, psicológico, sexual, moral e patrimonial, podendo culminar em feminicídio. “O trabalho junto a essas mulheres deve acontecer de forma conjunta com diversos órgãos para a ampliação e solidez da sua rede de proteção e de promoção, para que ela e seus dependentes encontrem condições de enfrentamento e rompimento do ciclo de violência”, lembra.
Ronaldo ressalta ainda que os atendimentos do CEPAV são sigilosos e contribuem no processo de educação, conscientização e apoio às pessoas em situação de violência. “Esse suporte pode auxiliar na interrupção da violência, podendo impedir a ocorrência do feminicídio”, reforça.
Sensibilização é a palavra-chave no acolhimento
“Quando lidamos com esse tipo de violência, há diversas dimensões. Pode ser um caso grave, em que a mulher corre um risco muito grande de feminicídio, e é necessário que ela saia do contexto domiciliar. Ou, em outros casos, a mulher pode nem mesmo perceber que está sendo vítima de violência psicológica, por exemplo. Isso exige sensibilização e orientação”, detalha Beatriz Liarte, assistente social do Núcleo de Educação Permanente da Diretoria de Inovação, Ensino e Pesquisa (DIEP) do IgesDF.
Uma etapa essencial do atendimento a essas vítimas é a análise dos riscos e dos determinantes sociais de saúde. “Dependendo do caso, identificamos os riscos e os recursos disponíveis na rede para o encaminhamento adequado. Por exemplo, no atendimento inicial à violência sexual, coletamos informações, realizamos profilaxia e encaminhamos para atendimento psicossocial, pensando nas sequelas e danos emocionais”, afirma a assistente social.
Outro desafio está relacionado à obrigatoriedade de notificação às autoridades policiais nos casos de suspeita de violência doméstica, prevista desde 2019. “Apesar da obrigação, muitos profissionais optam por não fazer essa comunicação de imediato, pois acreditam que isso pode trazer riscos à mulher. A sensibilização é fundamental. Se logo de início o profissional informa que vai chamar a polícia, isso pode quebrar o vínculo com a paciente, e ela pode nunca mais buscar ajuda no serviço”, alerta.
Muitos sinais podem indicar que uma mulher está sofrendo violência doméstica. Beatriz destaca que um dos principais é a “dor crônica vaga”, uma queixa inespecífica que revela danos emocionais manifestados no corpo. “Problemas de sexualidade, infecções urinárias de repetição, uso excessivo de substâncias psicoativas, e até o comportamento de acompanhantes controladores durante as consultas são sinais relevantes”, pontua.
Histórico de tentativas de suicídio, ansiedade, depressão e demora em procurar atendimento após machucados também podem ser indicativos de violência. “Esses sinais precisam ser identificados pelos profissionais de saúde para poderem oferecer um acolhimento eficaz e garantir que essas mulheres tenham acesso à proteção necessária”, finaliza Beatriz.